Escolas da Amazônia - Uma resenha

By | março 28, 2016 Faça um comentário
Sobre o livro Escolas da Amazônia do amigo Tiese Jr., o professor de Literatura Jefferson da Silva faz uma excelente resenha deste material que deveria ser livro de cabeceira de todo bom educador, especialmente os amazônidas.

MEMÓRIAS. E QUE MEMÓRIAS!

Com sua obra de caráter inovador, Tiese Teixeira Jr. tem deixado sua marca na história da literatura amazônica com esta coleção de memórias intitulada Escolas da Amazônia, em que a ambientação constitui municípios, vilas, lugarejos de nossa região que, à parte do que é ficcional, retratam precisas e valiosas informações a respeito das condições de vida desses lugares conforme os costumes da época (que, talvez, ainda resistam até hoje), compondo um verdadeiro retrato da realidade física e social da Amazônia, ampliando os horizontes quanto à literatura e à cultura universais. Tomando como fundamentos as ideias de Antônio Cândido quanto às relações entre literatura e sociedade e as de Mikhail Bakhtin quanto ao dialogismo, Escolas da Amazônia é uma obra que cria diferentes cruzamentos, aproximando, por exemplo, a linguagem e a cultura de uma época – não tão longe assim – para uma geração de leitores que não tiveram experiências ou contato com pessoas desse tipo. Aliás, a leitura das memórias nos faz mergulhar numa perspectiva que parece estar longe, mas que emana das próprias características de um povo onde quase tudo falta, menos a vontade de vencer barreiras, onde se travam vitórias e derrotas, dando saltos, provocando rupturas, transformando-se, recordando-se. Aí está o verdadeiro sentido da historicidade do texto literário, um sentido de vida, de permanência, que difere daquilo que é meramente descritivo e classificatório.

A história não concebe séries isoladas: uma série, enquanto tal, é estática, a alternância dos elementos nela pode ser somente uma articulação sistemática ou simplesmente uma disposição mecânica das séries, mas de modo algum um processo histórico; só a determinação de uma interação e de um mútuo condicionamento de dada série com outras cria a abordagem histórica. É preciso deixar de ser apenas si próprio para entrar na História. (BAKHTIN, 1988, p.26-7)


Em cada uma das 16 memórias de Escolas da Amazônia remete-nos a esta historicidade. Só para citar alguns textos, se você já vivenciou esta realidade, vai recordá-la de duas formas: de quando era aluno(a), como em Noite Afora, Ar de Liberdade e Tom de Piada; e como profissional da educação - professor(a) principalmente –, como em Com Graça, Tempos de Estágio e Desabafo. Em todos os textos os personagens nos reputam a exercícios de reflexão, a aquisição do saber, a boa disposição para o próximo, o afinamento das emoções, a capacidade de penetrar e enfrentar os problemas da vida, o senso do belo, a perspectiva da complexidade do mundo e dos seres. Sobre isso, Antônio Candido diz: A literatura desenvolve em nós a quota de humanidade na medida em que nos torna mais compreensivos e abertos para a natureza, a sociedade, o semelhante. (CANDIDO, 1995, p. 249) Agora, se você é um leitor(a) – principalmente jovem – que não vivenciou os contextos das memórias de Escolas da Amazônia, com certeza ficou maravilhado(a) e, por um momento, lamentou não ter vivido essa época, mas se apropriou daquilo que é natural de um(a) leitor(a): o direito de imaginar, de conhecer aquilo que não experimentou. Só assim que foi possível experimentar a sensação de estranhamento que a elaboração peculiar do texto literário, pelo uso simples da linguagem, consegue produzir no/na leitor(a) uma estimulação, contribuindo com sua própria visão de mundo, principalmente em relação à educação, fruindo seu pensamento estético. Os diálogos no âmbito da literatura e da cultura transcendem barreiras geográficas e linguísticas, objetivo alcançado pelo autor. A leitura provoca reações, estímulos, expõe experiências múltiplas e variadas, dependendo da história de cada indivíduo. Assim, independente da faixa etária e das relações profissionais dos leitores, Escolas da Amazônia é um livro de memórias que nos faz ampliar horizontes, que nos traz um conhecimento diferente do científico, já que objetivamente não pode ser medido. Dá-nos um prazer estético diante daquilo que nos causa uma sensação de alegria, de tristeza (rara) e, principalmente, de saudade. Tiese Teixeira Jr. transpassou, através de seus personagens, uma visão geral dos contextos que, em muitos casos, ainda são persistentes por causa da falta de políticas públicas na Amazônia e que o/a leitor(a) sente facilmente quando os protagonistas ordinariamente movem-se, agem, falam e pensam com uma espontaneidade tão natural, que dificilmente alguém dirá que isso não passa de fruto da imaginação do autor.


Jefferson César Reis da Silva
Professor de Literatura

Referências:

BAKHTIN, Mikhail. Questões de literatura e estética: a teoria do romance. Trad. Aurora Fornoni Bernardini et alii. São Paulo: Hucitec/Unesp, 1988.
CANDIDO, Antonio. A literatura e a formação do homem. Ciência e Cultura, v. 24, n. 9, 1972.


_________ . O direito à literatura. In: _________ . Vários escritos, 3. ed. São Paulo: Duas cidades, 1995.
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