A divisão do Pará na opinião de Roberto Pompeu de Toledo

By | novembro 30, 2011 Faça um comentário
Artigo extraído da edição nº 2.245, de 30 de novembro, da revista “Veja”.
Roberto Pompeu de Toledo: alerta para
a "marquetagem irresponsável" 
Duda Mendonça e, de tabela, a proposta de divisão do Pará que será objeto do plebiscito de 11 de dezembro próximo são os temas de artigo do jornalista Roberto Pompeu de Toledo, publicado na edição da revista "Veja" que chegou às bancas no último final de semana. O título do artigo é "Caro amigo paraense".
O jornalista, que nas entrelinhas alerta para os riscos da divisão do Estado - "ótimo negócio para os políticos", segundo ele -, aborda de forma predominante o papel do marketing político-eleitoral na criação de propostas mirabolantes e, por mirabolantes, inexequíveis. Quando tal ocorre, configura-se a marquetagem irresponsável, observa Toledo.
E cita um caso concreto: o de Celso Pitta, um desconhecido que Duda Mendonça tornou conhecido e ajudou a eleger prefeito de São Paulo, a bordo de um projeto mirabolante: um "trem voador, um mágico bólido que, suspenso em via elevadas, catapultaria a cidade para um serviço de transporte até então só acessível à família Jetson", nas expressões de Toledo.
E o resultado, qual foi?
Saibam a seguir os que ainda não sabem ou nunca souberam disso.

No dia 11 de dezembro, você votará sim ou não à partição do Pará em três unidades. A proposta é que toda a metade oeste do atual estado se transforme no estado do Tapajós e a parte sudeste no de Carajás, continuando com o nome de Pará a região onde fica Belém e um pouco mais. Essa história de criação de novos estados, como você bem sabe, é controvertida. Chovem argumentos por todo lado, todos altamente especulativos e por isso altamente discutíveis. O que escapa à controvérsia é que se trata de ótimo negócio para os políticos, dada a orgia de novas instituições a criar, de novos cargos a preencher e de dinheiro a gastar. Tudo isso você sabe. O objetivo destas mal traçadas é falar de um personagem que depois de muitas peripécias, Brasil afora, agora aportou por aí, metido na campanha do plebiscito. O nome dele é Duda Mendonça. Gentilmente ele ofereceu seus serviços à causa separatista, ele que, se não vive no estado, pelo menos tem bois que vivem, na fazenda de sua proprieadde no território candidato a virar Carajás. Oferta aceita, e ei-lo no comando da campanha do sim.
Todo mundo o conhece. Sabe de seus trinufos eleitorais, como mago do marketing, bem como do lado menos aprazível de réu no processo do mensalão. Já o que ele andou aprontando em eleições de São Paulo o amigo paraense não deve saber. Permita um breve relato. Na eleição de 1996 para a prefeitura de São Paulo, Duda Mendonça fez o marketing do candidato Celso Pitta. Quatro anos antes ele fizera o do mentor de Pitta, Paulo Maluf. Pitta era um político desconhecido. O marqueteiro julgou que a campanha necessitava de alguma pirotecnia. Saiu-se então com um trem voador, um mágico bólido que, suspenso em via elevadas, catapultaria a cidade para um serviço de transporte até então só acessível à família Jetson. Nas animações para a propaganda na TV, ficou uma beleza. Para transformá-la em realidade o custo seria assombroso, a logística complicada, a utilidade discutível, mas e daí? Importava ganhar a eleição. Celso Pitta ganhou.
E agora? Se ganhou embalado pelo trem, impunha-se fazê-lo. O novo prefeito começou a plantar vigorosos pilotis, alto de 15 metros, ao longo do rio mais central da cidade, o Tamanduateí. Sobre eles seria construída a via ao longo da qual correria a engenhoca. Algumas centenas de milhões de reais foram investidos na obra, e ficou-se nisso. Pitta não passou dos pilotis iniciais. Lá ficaram eles, abobalhados e inúteis - um pressuposto de obra de engenharia tornado ruína no nascedouro. A sucessora de Pitta, Marta Suplicy, pensou no que fazer daquilo, pensou, pensou, e nada fez. O sucessor de Marta, José Serra, chegou a cogitar em destruir os pilotis. Depois pensou melhor, e resolveu aproveitar pelo menos os já existentes. A obra foi inaugurada já na administração Gilberto Kassab, não mais como via de trens, mas como simples corredor suspenso de ônibus.
O amigo paraense não precisa conhecer todos os detalhes do sinistro episódio. A intenção é alertá-lo sobre o alcance que pode atingir uma marquetagem irresponsável - e a palavra "irresponsável" vai aqui no sentido puro de qualificar um agente que não responde por seus atos. O marqueteiro não foi eleito. Não tem função pública. Portanto, não lhe cabe responder por um ato da administração pública. E no entanto teve origem no capricho de um marqueteiro toda a sucessão de decisões e indecisões que resultou num corredor de ônibus suspenso, ao qual só se tem acesso subindo penosas escadas, desarticulado do geral do sistema de transportes urbanos, desestruturador da piasagem e na contramão do melhor urbanismo - que desaconselha vias aéreas pelas cicatrizes que impingem às cidades e pela deterioração que produzem no entorno.
Duda Mendonça já foi de Paulo Maluf a Lula. Se um marqueteiro deve manter a coerência política, é algo que escapa a este missivista. É curioso, em todo caso, lembrar que nos anos 1980 ele esteve à frente da campanha que se opunha a um projeto de divisão do estado da Bahia. Um texto por ele composto, e que era lido por Maria Bethânia na TV, afirmava que dividir a Bahia era como separar o Jorge do Amado, o Dorival do Caymi, o Rui do Barbosa, o Gilberto do Gil. Já separar a Fafá do Belém, o Paulo Henrique do Ganso, o Billy do Blanco e o Jayme do Ovalle, isso pode. Em São Paulo, ao arriscar-se no urbanismo, Duda Mendonça deixou sua marca indelével no ônibus pendurado à beira do rio. Agroa se aventura na engenharia política e calca a mão pesada no mapa do Brasil. Leve isso em conta, amigo paraense.

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