Nosso cronista mojuense Antônio Cristo, o Toninho nos brinda com mais uma crônica que retrata muito bem nossa cultura, nossa memória, e que com muita propriedade nos remete às histórias deste Rio das Cobras, que são tantas, desde tempos imemoriáveis são contadas e que com este trabalho com certeza não serão esquecidas. Trabalhos assim são importantes para essa preservação além de seu conteúdo cultural, visto que essa manutenção da memória de nosso município é de suma importância.
Leiam e se deliciem com este texto maravilhoso.
RASTROS NO RIO
Aquele
mês era prazerosamente esperado.
Março!
Mês
da chuva grossa. Do verde mais esverdeado. Da lua cheia que brota no fim do estirão!
Da maré alta.
Do
mês da pororoca!
Pra
quem nunca avistou, era uma onda forte que “rasgava” o rio. Enxergava-se a
quilômetros de distância. Despontava no fim do estirão do baixo rio Moju.
Metade
branca, metade escura.
Num
“piscar de olhos” desaparecia e boiava nas margens do outro lado. Arrebatava
troncos e toras. Quebrava árvores. Molhava o caule e lambia as folhas dos
açaizeiros que emparedavam as encostas do rio.
O povo corria eufórico para celebrar sua chegada.
O povo corria eufórico para celebrar sua chegada.
Joga
cachaça! Joga tabaco! Quem sabe acalma! Alguns gritavam.
Medo não causava, apenas êxtase. O ribeirinho ficava embebido de felicidade. Fugia da rotina.
Medo não causava, apenas êxtase. O ribeirinho ficava embebido de felicidade. Fugia da rotina.
Parecia
que a água queria reunir-se a terra.
Naquele
dia o povo “descia” e agasalhava-se à beira do rio. Os destemidos espremiam-se
no trapiche para sentir a pancada nas vigas de madeira.
A
onda não permitia barcos e canoas atracados. Melhor que ficassem ao sabor do
vento. Assim cantam nossos poetas, “os barcos soltam-se com medo de naufragar”.
Naquela
manhã águas salobras molhariam a cidade. Não falhava!
O fogo do almoço era desligado. A comida haveria de esperar. A pororoca, não!
O fogo do almoço era desligado. A comida haveria de esperar. A pororoca, não!
Contam
os mais velhos que, certa vez, subiu até a escadaria da igreja.
Naquele dia do mês o povo estaria frenético e mais feliz. Não era um dia igual aos outros.
Naquele dia do mês o povo estaria frenético e mais feliz. Não era um dia igual aos outros.
Para alguns, inexplicável. Para outros, uma lenda. Dois meninos ribeirinhos
naufragaram num botinho. Um era branco e o outro preto.
De
repente o rio enche.
A
onda passa. A “maré” cresce.
E
a água toma o seu curso natural. Corre rumo à nascente do rio Moju. Lá se vão
miritis, taperebás e açaís que não foram catados.
O
povo retorna à calmaria, sem sofreguidão. Para os que viram, fica o
encantamento. Para os que não viram a cisma eterna. Todos ouvirão tuas
histórias.
Naquelas águas correm lágrimas tristes da adolescência.
Naquelas águas correm lágrimas tristes da adolescência.
A
onda passou como turbilhão. Daqui a um ano há de molhar este chão. Março chegará!
Os
dias se passam. Março chega. Anos se vão. Não voltaste. Não disseste adeus!
Não
mais beijaste a terra do Santíssimo. Logo tu, que alvoroço causaste!
Só
nos restam poesias, músicas e histórias.
Vez
ou outra vagueia o olhar no fim daquela mata.
Quem
sabe não ouço o estampido daquela onda.
Saudade
do desassossego daquele dia, que me inebriava. A paz que hoje deixa de ocupar o
coração desse povo.
Vem
pororoca! Derrama tua história. Naufraga e arrasta esse povo.
Vem!
Afugenta essa rotina. Respinga e acalma essa gente!
Devolve-me a paz de novo.
Devolve-me a paz de novo.
ANTONIO LÚCIO CARDOSO CRISTO
A crônica homenageia a pororoca, um fenômeno que ocorria nas águas do Rio
Moju, no mês de março, até meados da década de 80 e criava um “desassossego” no
povo da cidade.
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