Virgilio Serrão Sacramento nasceu em Limoeiro do Ajuru no dia 02 de outubro de 1942. Filho de ribeirinhos foi extrativista, coletor do látex da seringueira e pescador. Ali, ainda jovem, casou-se com Maria Livramento Diniz Sacramento, mulher corajosa que, no decorrer da caminhada e do próprio engajamento, tornou-se também a sua companheira de lutas, de indignação e de sonhos. Desse amor humano e militante nasceram os onze filhos: Dorival, Dinalva, Edna, Sandra, Regina, Elias, João Ângelo, Lourdes, Marlene, Ilene, Virgílio e Noemi, que tinha apenas quatro meses quando o pai foi assassinado.
A História de Virgílio, inicia-se quando este decide ir em busca de uma vida melhor. Foi então para Tomé-Açú, de onde corriam notícias de que se podia ganhar dinheiro com a colheita nos pimentais dos japoneses. Houve a primeira tentativa, frustrada no inicio da década de 1970, quando não deu certo e foi então trabalhar com a juta no município de Almerin. Abandonado em um lugar distante, passou dois anos, voltando para Tomé-Açú, onde com muita dificuldade voltou a trabalhar como assalariado na colheita da pimenta. Com muita dificuldade, conseguiu juntar um dinheiro, onde comprou um lote de terras por volta de 1974. Realizou um sonho, ter seu próprio pedaço de chão.
Ainda em Tomé-Açú, participou de um encontro da igreja Católica, onde conheceu o que seria as Comunidades Eclesiais de Base (Cebs). Foi obrigado a vender suas terras por problemas familiares. Foi quando chegou em Moju em 1976. Continuava carregando a cruz da migração. Na nova localidade, Sucuriju, logo documentou sua terra. Mas isso não o deixou satisfeito. Naquele momento, Virgílio ficava angustiado ao ver a situação dos demais companheiros que não tinham suas terras legalizadas e nem mesmo o sindicato para defendê-los, pois este não estava nas mãos dos trabalhadores. Foi essa angústia que o levou à luta.
Em 1979, retornando de Cametá onde participou do ‘3º Encontro de Lavradores do Baixo Tocantins’ que Virgílio, junto com mais oito companheiros tomou a decisão de iniciar no Moju o Movimento da Oposição Sindical, com o objetivo de tirar o sindicato das mãos dos pelegos. “Minha doença maior – dizia para a esposa – é ver essa pelegada toda dentro do sindicato. Mas um dia isso vai acabar e o sindicato vai passar para as nossas mãos de lavradores”.
E foi o que aconteceu. A partir desse ano, junto a uma turma de companheiros, deu início à oposição sindical, que ganhou as eleições em março de 1983. Foram quatro anos de intenso e sistemático trabalho de base. Ficou como presidente da entidade até o começo de 1986 e, no ano em que foi assassinado, 1987, era Delegado Representante do STR-Moju junto à FETAGRI e membro do Conselho Fiscal, Tesoureiro da Central Única dos Trabalhadores -CUT guajarina e membro efetivo do Diretório Estadual do Partido dos Trabalhadores-PT.
A paixão pela organização de toda a classe trabalhadora levou-o a se interessar inclusive pelos trabalhadores e trabalhadoras na educação. O lavrador Virgílio sempre torceu para que os Educadores e Educadoras da região Guajarina tivessem um sindicato forte e eficaz. Outra organização muito apoiada por ele foi o Movimento das Mulheres de Moju, do qual dona Maria, sua esposa, fazia parte e ajudou a fundar.
Virgílio, como líder sindical, nunca se afastou das bases e muito ajudou os companheiros e as companheiras a amadurecerem a consciência de classe e a se convencerem que só através da organização sindical seria possível defender a terra e os direitos na construção da cidadania.
No município de Moju a guerra entre os latifundiários e os trabalhadores estourou com a abertura da rodovia PA-150 que liga o norte ao sul do estado e que rasgou bem no meio o município de Moju. Repetiu-se o processo de sempre, típico da chamada colonização: arrasadora, cruel, violenta, sob o cativante lema acima citado: ‘terra sem homens para homens sem terra’. Um refrão que custou muito sangue de trabalhador. Firmas agro-industriais, investindo na monocultura do dendê e coco, assim como inúmeras fazendas de gado, foram ‘grilando’ imensas áreas de mata que logo eram abertas com o suor, a doença, o sofrimento, o trabalho escravo e até mesmo a morte de nordestinos e paraenses. O camponês desbravava com fome de vida e alimento, e o latifúndio tomava conta com fome de terra, que outra coisa não era senão a fome capitalista do lucro.
Foi justamente nesse contexto que Virgilio exerceu seu mandato na qualidade de presidente do Sindicato e que, no município de Moju, foram levantadas as primeiras denúncias contra o latifúndio. O que custou a vida do Virgílio. No dia 05 de abril de 1987, um domingo, após participar de uma assembléia do sindicato, retornou, de moto, à sua casa com sua esposa e a filhinha Noemi. Mas ao chegar lá percebeu que havia deixado a sua agenda no sindicato e por isso, sozinho, retornou à cidade. Estando lá, aproveitou para comprar uns peixes para o jantar da família e, em seguida, foi dar uma olhada no jogo de futebol que acontecia no campo do Juventus. Alegrou-se ao encontrar alguns companheiros que haviam participado também da assembléia. Conta o povo de Moju, que ali perto estava o assassino de Virgílio, Osvaldo Camargo, observando-o de um caminhão. Virgílio ficou lá por pouco tempo e ao sair, imediatamente foi seguido pelo caminhão. A altura do km 08 da PA-252, distante apenas mil metros de sua casa, o caminhão se aproxima e bate seguidamente na traseira de sua moto, fazendo-o cair no asfalto. As rodas dianteiras esmagam seu corpo. Eram 4 horas da tarde.
Brincando freqüentemente com a filha Noemi de quatro meses, Virgilio desabafara: “Minha filha, você não vai conhecer seu pai; vão me matar”.
A razão pela qual Virgílio foi morto é a mesma que já havia vitimado Benezinho em Tomé-açu, Gabriel Pimenta, Belchior, Gringo e tantos outros que lutaram contra o poder do latifúndio no estado do Pará. Virgilio lutou sem medo contra a empresa agro-industrial Reflorestamento da Amazônia S.A.-REASA que teve que recuar de suas pretensões sobre a terra do Sr. Delorisano no Curuperé, as terras do Ipitinga e do Jambu-açu; colaborou decididamente com o expulsão do Grupo Serruya na Colônia Aiu-açu; com o fracasso da firma Universal que pretendia apoderar-se de grande parte das terras entre os igarapés Camaiateua e Mamoranazinho e com a desistência do Grupo Franciozi-Fossati na micro região do Curuçá. Uma luta perigosa, árdua. Reveladora de dois modelos de desenvolvimento antagônicos, mas, ao mesmo tempo, aberta a perspectivas, mesmo tendo custado caro: perseguições e ameaças de morte a inúmeras lideranças populares e o assassinato de Virgílio Serrão Sacramento.
Texto publicado pelo historiador Elias Serrão Sacramento, meu irmão do peito, filho do sindicalista no Blog da Profª. Edilza Fontes
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