Seu Pirico, contador de causos mojuenses

By | fevereiro 09, 2013 Faça um comentário

O imaginário mítico amazônico é rico e diversificado. Manifesta-se nas crenças e costumes, que contribuem para a compreensão do vasto mundo mágico que permeia os diversos fenômenos naturais e sobrenaturais observados, que contribuem para essa relação do homem com a natureza.
Assim é a identidade dos povos da Amazônia, recheada de valores que constituem uma tradição genuinamente cabocla, narrada de geração a geração em linguagem cotidiana que persiste e ultrapassa barreiras históricas ditadas pelo tempo. Essa predominância do imaginário presente na identidade dos habitantes é produto da acumulação de experiências vividas no meio. Portanto, através de sua história de vida, o seu modo, a forma como convive permite o relato de experiência de vida trazida de geração para geração sofrendo ao longo do tempo suas devidas transformações.
O Sr. Crisolino Pastana, por alcunha Seu Pirico, nascido na Fazenda Santo Antônio, Alto Rio Moju, município de Moju-Pa, no ano de 1927, portanto hoje com 85 anos de idade, conhecido contador de “causos”. É neto do Barão de Cairari, figura histórica do Pará. Viúvo, aposentado, mora atualmente no bairro Parolândia, nesta cidade.
Conversei com ele sobre esses fatos amazônicos, dos quais selecionei duas histórias do imaginário popular, transcritas tal como foram vivenciadas e relatadas por ele.

O CURUPIRA

Ai nós fizemos um serviço de madeira, tirando madeira em rola né, e nós tirava água no olho d’água onde tinha um poço, ai um poço limpo, lugar lá muito limpo, um rastro diferente, calcanhar pra frente. Ai nós contamos prum amigo lá que nós tinha visto isso, um rastro lá na frente desse olho d’água, desse poço e , e  ficamos ali esperando uma resposta dele né. Ai ele pensou quando foi no outro dia encontrou com nós e disse: olha, é, é curupira, ela vem toma água lá. Vocês querem conhecer curupira. Eu disse eu quero. Então compra uma garrafa de cachaça e põe lá, que ela vem beber e ela fica porre e quando vocês forem encher a água, constantemente, vocês chegam lá nos serviço, é oito horas, é... umas nove horas vocês buscar água, o que fica sempre uma distanciazinha de meio quilometro, quinhentos metros e vocês verem ela. Tá. Ai não ia só um, porque tinha assim um arreceio né, de ver qualquer coisa ali naquele olho d’água. Ai nós fomos encher a água, barde, mais o outro barde, cada um, um barde né, pra beber o dia, pra tomar essa água o dia. E nós vamos, vamos comprar a cachaça. Compramos cachaça e colocamos lá. Quando nós fomos buscar água ela tava bêbada, a curupira. Mais horrivi, muito cabeludo, o carcanhá pra frente e a boca dela um beição grande, e ai nós ficamos, é atemorizado e fomos embora. Quando foi no outro dia que fomos lá ela tinha ido embora. Ai nós conhecemos a curupira. Foi, foi isso.

COBRA GRANDE

Eu viajava num barco já aqui do Moju, na lancha da prefeitura. Ai, chegando lá na fábrica, tava um miritizeiro de atravessado no rio. Que quando eu dei, a lancha ia montando, ai ela já pegô, bateu no meio do miritizeiro, só que não era miriti. Era a cobra. Ai a cobra bateu no lado, o rabo na canoa, quase alaga. Ai eu conheci que era cobra. Ao invés dela baixar, ela subiu e aquele banzeiro grande, andemos dois quilometro, a canoa jogando aquele banzeiro. Ai ela veio, veio, até encalhar numa praia, pra lá ela morreu sabe. Eu matei a cobra, com a lancha, com o talhamau em cima do espinhaço, quebrou o espinhaço dela, quebrou.

Agradecimentos ao amigo Pirico, que dispensou um pouco de seu sossego para nos satisfazer com suas histórias.
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