"A Pioneira encanta, e vejam só quanta beleza, pede licença ao seu povo, à sua gente para falar da natureza [...]"
Aventurando-se na arte da escrita, nos brinda com esta crônica, deliciosa de se ler e relembrar os tempos difíceis dos alunos que precisavam sair do município em busca de mais formação. Deleitem-se com o texto que lhes apresento. Que venham muitos outros!
Esta crônica é uma homenagem a todos os estudantes que tiveram o prazer em andar num ônibus escolar no final da década de 70 até a metade da de 80, de Moju para Abaetetuba.
Antonio Lúcio Cardoso Cristo (Toninho)
O ÔNIBUS QUE ENSINOU VOOS
O passar do tempo revelou a
vontade de fazer essa homenagem, só não sabia como.
Havia a vontade de contar um
fato do passado, porém estava presente o dilema de como homenagear um ônibus.
Sim, um ônibus que transportou estudantes da década de 80, de minha cidade à
outra.
Enfim, a ideia desta crônica
surgiu.
Para falar do ônibus preciso esboçar alguns
episódios.
Morar no interior têm certas
facilidades, mas, vez ou outra, aparecem dificuldades que nem sempre são
reveladas. O interiorano não lamenta agruras, são ofuscadas pela existência de
belas histórias que as sobrepõem.
Em Moju, do final da década de 70
e até a metade da década de 80, os estudantes, ao concluírem o ensino
fundamental, deveriam interromper seus estudos, salvo os que tinham recursos
financeiros, ou os que possuíam parentes morando na Capital.
Pois bem, na década de 80, quem não
preenchia os dois requisitos e visava um “canudo” do nível médio, deveria abstrair
obstáculos e complementar seus conhecimentos em Abaetetuba. Era o ir e vir
diário num transporte de quarenta lugares. Nada a ver com os ônibus de hoje.
Vinte quilômetros separam Abaetetuba de
Moju. Pertinho!
À época, uma estrada de piçarra e uma
travessia de barquinho pô-pô-pô sobre o rio. A ponte de concreto que,
atualmente, liga um lado ao outro, nem sonhada era.
Durante um tempo muitos estudantes fizeram
esse trajeto em busca de oportunidades. Muitas aventuras surgiram, cada dia
poderia ser escrita uma crônica nova.
A saída do ônibus diária ocorria no final
da tarde e o retorno no fim da noite, isso quando a velha condução não sofria o
chamado "prego". O que não era raro!
Várias noites ficou-se na estrada à
procura de um conserto e sem comunicação. Celular nem lenda era!
E assim, quando o tão necessário veículo
não conseguia locomover os estudantes - e muito menos se mover-, o jeito era deixá-lo
para trás e utilizar as próprias pernas, pois devagar seria certa a chegada em casa.
A estrada nem sempre estava escura, com sorte poderia se ver um céu estrelado.
Na andança uns cantarolavam; outros contavam histórias de visagens; outros ousavam
nas piadas... assim o tempo passava mais rápido. Na chegada do “outro lado do
rio” haveria o coletivo grito até que o barqueiro ouvisse e fizesse a travessia
do rio.
Horas mais tarde as pernas e os pés, mesmo
doloridos, estariam prontos para uma nova aventura. A dor e o prazer, caminhavam
sempre juntos.
Apesar
de tudo pouca lamúria existia e a vontade de continuar persistiu naqueles anos.
Ah bendito ônibus! Me ensinaste a voar!
Um ônibus de cor prata, listras azuis e
vermelhas, voltam-me à memória, bem como as cadeiras vermelhas, assento duro
com rajados brancos. Assento que não era poltrona e comportava duas pessoas,
com um encosto que ia até o meio das costas e que dificilmente daria para tirar
um cochilo, mas não era de todo impossível. Era preciso acostumar-se ao forte
calor, e se as janelas fossem abertas, ocorreria o vendaval de poeira. As
janelas possuíam bandas duplas de vidro as quais deslizavam ao abrir, emitindo um
forte rangido que incomodavam até os dentes. Quando chovia, a água que escorria
suas mágoas empoeiradas. No meio do piso do corredor um buraco mostrava-se
promissor. E se não estivesse tapado com folhas de caderno, a poeira da estrada
invadia tudo, empurrada pelas inconvenientes rajadas de ventos que insistiam em
se juntar aos sonolentos passageiros.
Guardava-se sempre um retalho de tecido
velho para limpar os assentos empoeirados, reduzindo assim o desgaste do
uniforme escolar, quase sempre tão amarelado.
De tempo em tempo os estudantes faziam uma
lavagem geral naquele ônibus. Nada mais justo. Um misto de amor e ódio. Como acontece
com qualquer casal que quer manter a relação em mágico equilíbrio! O Igarapé
Santa Cruz era o local predileto para aquela lavagem. Além da limpeza, havia a
satisfação da reunião, com o complemento do violão, da música e da caipirinha. O
banho era regado ao som de Caetano, Djavan, Chico, Gil, Fagner e tantos outros.
Muitas canções, lembro de ter aprendido naquelas cantarolas.
O velho ônibus conduziu não apenas
estudantes, carregou sonhos, alegrias, tristezas, decepções, traumas, inquietações
e ensinou voos, enveredando outros destinos. Não tenho a pretensão de afirmar
que os passageiros daquele ônibus foram exemplos para outras gerações. Não!
O tempo passou. Não há mais ônibus; não há
barquinho; e as canções aos poucos foram se falando. Não há mais andanças,
exceto pela vida afora. Ficaram lembranças!
Agora outros ônibus circulam. Os
estudantes desceram e acenaram a outros ônibus, seguindo rumos diversos, alguns
opostos. Restaram as histórias. Essa é mais uma delas!
Alguém disse que a vida é um punhado de
recordações. Assim creio!
Opa! Estou viajando em ônibus que freou. Desço
na próxima parada e, talvez, consigo pegar o próximo. Aqui faço uma pausa, mais
tarde, certamente, continuarei.
ANTÔNIO LÚCIO CARDOSO CRISTO
Mojuense, formado pelo Centro de Ciências Jurídicas pela Universidade Federal do Pará (1990). Pós graduado em Direito Tributário pela Universidade da Amazônia (2003). Doutorando em Direito pela Universidade de Mar Del Plata, Argentina. Atualmente é analista judiciário - Tribunal de Justiça do Estado do Pará. Tem experiência na área de Direito, com ênfase em Direito Tributário na Procuradoria do Município de Belém, no Departamento de Tributos Mobiliários e Imobiliários da Secretaria de Finanças do Município de Belém e Consultoria Jurídica da Secretaria de Fazenda do Estado do Pará.
Mojuense, formado pelo Centro de Ciências Jurídicas pela Universidade Federal do Pará (1990). Pós graduado em Direito Tributário pela Universidade da Amazônia (2003). Doutorando em Direito pela Universidade de Mar Del Plata, Argentina. Atualmente é analista judiciário - Tribunal de Justiça do Estado do Pará. Tem experiência na área de Direito, com ênfase em Direito Tributário na Procuradoria do Município de Belém, no Departamento de Tributos Mobiliários e Imobiliários da Secretaria de Finanças do Município de Belém e Consultoria Jurídica da Secretaria de Fazenda do Estado do Pará.
1 comentários:
Moju berço da poesia!
Parabéns aos nossos escritores.
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